1º - Solidão
Yas
Aspirar poeticamente a sua pureza, com as
Luzes acesas, sua foto sobre a mesa,
Não posso mais amar.
O pensamento de um erro não cometido
poderia me denunciar.
Lembranças de uma vida, de um sonho,
De uma realidade já extinta,
Sinta de onde estiver o que sinto e
Pressinto que vai chorar.
O som gradiente que repete o que sinto,
Músicas que falam de como vivo,
Vivo? É só me olhar.
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2º - Nó cego
Maysa Gomes
Você existe em mim
como um ponto
sem nó.
Oscilante entre os dias,
solto,
só.
Sejamos sempre
dois pontos:
sem nós.
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3º - SALTO ALTO
Maysa Gomes
Passei,
pedi
pisei sem querer,
pulei
no rumo das andorinhas.
E obstinadamente
caí,
no árido destino
do teu deserto,
para te descobrir
este oásis macio.
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4º - O MEU TEMPO
Arnaldo Antunes
O meu tempo não é o seu tempo.
O meu tempo é só meu.
O seu tempo é seu e de qualquer pessoa,
até eu.
O seu tempo é o tempo que voa.
O meu tempo só vai onde eu vou.
O seu tempo está fora, regendo.
O meu dentro, sem lua e sem sol.
O seu tempo comanda os eventos.
O seu tempo é o tempo, o meu sou.
O seu tempo é só um para todos,
O meu tempo é mais um entre muitos.
O seu tempo se mede em minutos,
O meu muda e se perde entre os outros.
O meu tempo faz parte de mim,
não do que eu sigo.
O meu tempo acabará comigo
no meu fim.
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5º - SONETO
Francisco Otaviano
Morrer, dormir, não mais, termina a vida,
E com ela terminam nossas dores;
Um punhado de terra, algumas flores...
E depois uma lágrima fingida.
Sim, minha morte não será sentida:
Não tive amigos e nem deixo amores;
E se os tive, tornaram-se traidores,
Algozes vis de um'alma consumida.
Tudo é podre no mundo! Que me importa
Que amanhã se esboroe ou que desabe,
Se a natureza para mim 'stá morta?!
É tempo já que meu exílio acabe...
Vem, vem, ó morte! ao nada me transporta:
Morrer, dormir, talvez sonhar, quem sabe!
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6º - Amor
José Américo Miranda
não há lugar pra você no meu coração
não há lugar pra você no meu chão
não há lugar pra você
não há, inda não, lugar pra você
há lugar pra você
só há lugar pra você
só há você
há você
só você
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7º - À Minha Noiva
Arthur Azevedo
“Tu és flor; as tuas pétalas
orvalho lúbrico molha;
eu sou flor que se desfolha
no verde chão do jardim.”
Têm por moda agora os líricos
versos fazer neste estilo...
— Tu és isso, eu sou aquilo,
tu és assado, eu assim...
Às negaças deste gênero,
Carlotinha, não resisto:
vou dizer que tu és isto,
que aquilo sou vou dizer;
tu és um pé de camélia,
eu sou triste pé de alface,
tu és a aurora que nasce,
eu sou fogueira a morrer.
Tu és a vaga pacífica,
eu sou a onda encrespada,
tu és tudo, eu não sou nada,
nem por descuido doutor;
tu és de Deus uma lágrima,
eu sou de suor um pingo,
eu sou no amor o gardingo,
tu Hermengarda no amor.
Os fatos restabeleçam-se,
ó dona dos pés pequenos:
eu sou homem — nada menos,
tu és mulher — nada mais;
eu sou funcionário público,
tu minha esposa bem cedo,
eu sou Artur Azevedo,
tu és Carlota Morais.
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8º - Lentes
Silviano Santiago
Meus olhos buscam
o binóculo
e não o encontram.
Meus olhos buscam
as coisas
e as vêem turvas.
Meus olhos querem
diminuir a névoa
entre mim e o mundo.
Meus olhos pensam
as lentes
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